
CARTOGRAFIAS 2025 – PARA MOVER ESPAÇOS
Mover para encontrar Danças Continuar – Layla Mulinari
Rememorar o chão para mover espaços é necessário – Rachel Crescenti
Cartografias Poéticas – primeira parte – Layla Mulinari
Cartografias Poéticas – segunda parte – Coletivo Mover Espaços: Layla Mulinari, giulia Luca, Tata Cardoso, Rafa Marcelino, Carmen Xavier, Jonas Marcelino e Bruna Sattim. Com: Sandra Resende, Maria Andrade Vieira e Cristiano do Vale.
Registros para Rememorar – Poéticas de espaços visitados em contrapartidas
Ficha técnica do e-book
Organização: Layla Mulinari
Diagramação: Layla Mulinari, Bruna Sattim, Neto Leviosa
Revisão de texto: Rachel Crescenti
Arte visual do projeto Para Mover Espaços: Lindsey Ribeiro e Raquel Ligabo
Capa artesanal livreto braile: Giovana Luiz
Artistas: Espaço E. Cia de Dança, Coletivo de artistas da Mover Espaços e Alunos e ex-alunos da Espaço Expressão.
Registro fotográfico: Tatá Cardoso e Mayra Boncristiano
Mover para
encontrar Danças
Continuar…
Layla Mulinari
Breve apresentação
A partir do Prêmio por Histórico de Realização em Dança, concedido pelo Governo do Estado de São Paulo em 2021, nasceu a organização do projeto Para Mover Espaços.
Mais do que um nome, “Para Mover Espaços” tornou-se um campo de encontros — entre pessoas diversas, interessadas no intercâmbio das artes e na celebração das artes do corpo. Em 2025, com o apoio da PNAB (Política Nacional Aldir Blanc) do município de Lorena, esse movimento teve sua segunda edição, e hoje compartilhamos alguns registros cartográficos aqui no site da Mover Espaços. Seguimos tecendo caminhos entre as subjetividades e as expressões artísticas que nos movem, por meio de cursos, rodas de conversa, exibições, mostras e imersões.
Encerramos um ciclo potente, com os projetos Para Mover Espaços – projeto formativo e performativo em artes do corpo, e o Tramaterra – festival de arte de rua e feira cultural do vale histórico, entrelaçando dança, formação, cultura popular e práticas de presença em múltiplos territórios da cidade de Lorena, com artistas daqui e de todo o Vale do Paraíba.

Iniciamos as ações em março, numa manhã de domingo, celebrando o Dia da Mulher com o evento “Faça Fazer Sentido 2025”, com a presença do grupo Em Estado de Poesia, um dos núcleos de pesquisa da Espaço Expressão – Casa Artística de Lorena. A partir daí, seguimos com as Jornadas de experimentação com Grupos do Coletivo Mover Espaços, com vivências em Eutonia e ateliês cartográficos conduzidos por Layla Mulinari, que convidou Sandra Resende e Gigliola Mendes para compor a jornada que teve um percurso de escuta sensível e espaço para autopoiésis do sujeito na experiência com o movimento.
A Incubadora Mover Espaços 2025 abriu as portas da Espaço Expressão para toda a comunidade, com oficinas ministradas por Ivete Damasceno de São Paulo, Guilherme Depas e o Coletivo Mover Espaços. O processo aconteceu em um sábado de março com a realização de 3 cursos e um sarau, um espaço aberto para estudos.
Estreou-se então a Segunda Mostra Para Mover Espaços, com três dias intensos de apresentações, oficinas e exibições, incluindo o circuito “Mover Cultura Popular” com apresentação de Rememorações do chão, do núcleo Espaço E. Cia de dança, cortejo performativo e uma performance de todo coletivo, desdobramento do Vale em Contato 2024. Tivemos também um curso especial com o núcleo da Espaço E. Cia de Dança, que trouxe saberes diversos de seu elenco, como capoeira, maculelê, danças afro, contato improvisação e dança contemporânea.
No campo da dança na escola, promovemos apresentações do ensaio aberto “Lugar para Elã” e de estudantes de danças em seus diversos estilos, da Espaço Expressão, celebrando o Dia Internacional da Dança.
No ambiente digital, realizamos o curso formativo com a Dra. Thereza Rocha, do Ceará, trazendo reflexões sobre dança e contemporaneidade, e uma aula compartilhada com Daniel Munduruku, liberada para acesso pelo canal da Mover Espaços no YouTube, fortalecendo o diálogo entre arte, educação e ancestralidade.
A performance e festival Tramaterra também se consolidou como um dos momentos centrais do programa, ocupando as ruas, a praça central de Lorena e ativando poéticas voltadas às infâncias, às famílias e à cultura popular. A obra reuniu artesãs, artistas plásticos, músicos, artistas circenses, bailarinos e educadores, compondo uma grande festa comunitária, tramada a muitas mãos pelo Coletivo Mover Espaços.
A roda de conversa “Saberes Compartilhados: Cultura e Políticas para Pensar a Arte-Educação para Crianças”, conduzida por Mariana Aranha, Rachel Crescenti, Aline Damásio, Jaqueline Bauman e Layla Mulinari, foi realizada em parceria com a Unifatea, abordando a importância do olhar atento à criança, aos espaços, aos corpos e aos tempos singulares de desenvolvimento. Na mesma semana, recebemos a Cia Bola de Meia, pontão de cultura que trouxe 3 horas de curso e conteúdo consistente para artistas, educadores e estudantes.
Destacamos também o Segundo Simpósio Mover Espaços, realizado em parceria com a Unisal, que criou um espaço de escuta e exposição de pesquisas entre mestres da cultura do Vale e jovens estudantes universitários. A mediação foi realizada por Layla Mulinari, Tata Cardoso, Diego Amaro e Joffre Capucho.
Concluímos esse percurso formativo com o curso “Dança em Duo”, ministrado por Layla Mulinari e Kadu Alves — artistas que se conheceram em 1993 e, desde então, vêm construindo pontes de afeto por meio da dança na cidade de Lorena. Em 2025, ambos celebraram 45 anos de vida e encerraram esse ciclo com uma proposta que entrelaça dança contemporânea, dança de salão e contato improvisação, revelando uma trajetória de criação e parceria poética.
As contrapartidas dos projetos também alcançaram diversos bairros periféricos, envolvendo crianças, jovens, pessoas idosas e pessoas com deficiência visual, como na oficina realizadas com o grupo Café com Braile.
Na Obra Social Dona Emília Dolce, na comunidade do Parque das Rodovias, que atende cerca de 180 crianças e suas famílias, realizamos dois percursos
oficineiros, um de dança para crianças e jovens com membros do Coletivo Mover Espaços, e o outro, o processo “Corpo-Grafismo”, conduzido por Layla Mulinari, com participação especial do grafiteiro Paulo Ozik e da artista Helena Ruiz, além de encontros, rodas e espaços de autocuidado com as famílias atendidas.
Finalizamos com exibições e oficinas na AACAL (Associação de Atendimento A Criança e Ao Adolescente) e no CRAS (Centro de Referência de Assistência Social) do município, fortalecendo a presença do corpo, da escuta e da criação como formas de pertencimento e transformação.
Fica aqui, em nosso site, o compartilhamento de alguns registros sensíveis em linguagens audiovisuais e escritas cartográficas. Disponibilizamos um e-book organizado em três partes, com QR codes e links de acesso a outras trilhas, compondo um espaço simples de apreciação, como é da natureza dos projetos fomentados pela Mover Espaços.
Agora, entramos em um tempo de transição — um momento de escuta, avaliação e preparação para os novos desdobramentos e projetos que virão.
As ações realizadas só foram possíveis graças ao fomento da PNAB (Política Nacional Aldir Blanc) do município de Lorena e ao compromisso dos muitos esforços coletivos. Entregamos mais do que o programado, pois este é o perfil do nosso espaço formativo: não deixamos passar oportunidades de troca com a comunidade sempre que os fluxos dos projetos estão em movimento e abrindo caminhos.
O exercício da presença, base da nossa pesquisa, continua a nos guiar — com atenção, afeto e tempo.
Esperamos que seja um material que continue se desdobrando em outras cartografias e publicações.

Rememorar o chão
para mover espaços
é necessário
Por Rachel Crescenti
No seio da paisagem fértil do Vale do Paraíba, entre serras e rios que testemunharam séculos de transformações sociais e econômicas nesta porção mais a nordeste do Estado de São Paulo, pulsa uma cultura popular rica, múltipla e profundamente enraizada na história do Brasil. A preservação e o resgate dessa herança cultural, marcada pela sabedoria ancestral dos povos indígenas que aqui habitavam, pela força e criatividade dos descendentes de africanos escravizados e pelas tradições itinerantes dos tropeiros, é tarefa urgente e nobre. Em tempos de homogeneização imposta pela cultura de massa, torna-se imperativo não apenas proteger tais expressões, mas reanimá-las com o vigor de um trabalho coletivo e comprometido dos artistas e pesquisadores da região.
Esse é o cerne do trabalho que vem sendo desenvolvido e produzido pelo coletivo de artistas Mover Espaços, sediado na cidade de Lorena, mas que se nutre de todo o universo guaypacaré e devolve esta energia absorvida, digerida e clarificada para todo o espraiado que acompanha o Rio Paraíba do Sul, enquanto é observado dos altos das serras da Mantiqueira e da Bocaina, com curiosidade e apreço.

A filósofa Marilena Chauí, ao distinguir cultura popular de cultura de massa, oferece uma lente crítica de inestimável valor. Para ela, a cultura popular é expressão autêntica do viver de um povo, seus modos de ser, de crer, de festejar, de resistir. Uma construção simbólica que nasce do cotidiano e se enraíza no território. Em contraposição, ela analisa a cultura de massa, como a produzida de modo industrial, aquela que uniformiza o consumo acrítico, suprimindo a diversidade e a riqueza das culturas locais. A anticultura.
Rememorações do Chão, espetáculo de dança contemporânea da Espaço E. Cia. de Dança, que pertence ao coletivo Mover Espaços, é prova evidente de como é possível, por meio da arte, ensinar e encantar, formar e transformar. Fortalecer a cultura popular e dar a ela seu real valor e, ao mesmo tempo, evidenciar o lugar de simples entretenimento que a cultura de massa possui.
Ele mostra que é possível utilizar a memória corporal para consolidar conhecimento, promover escuta, abrir diálogos, destravar tradições orais e, com isso, construir um mosaico cultural perene, até que as partes se tornem o todo e todos se reconheçam em cada pedaço dele.
Ao alimentar sua gente com cultura popular de qualidade, sensível e muito bem fundamentada, o projeto coletivo Mover Espaços como um todo, a desmama da anticultura que a aliena de suas próprias raízes. Promove saber e sentir e, com isso, cumpre sua responsabilidade social, fundindo comunidade e território, ontem e hoje, saber oral e documentação histórica
E aí reside, talvez, o maior valor das ações realizadas pelo projeto pois, o Vale do Paraíba, como muitas outras regiões do Brasil, encontra-se sob risco intensificado de apagamento de suas tradições populares à medida que as infâncias e juventudes, seduzidas pelas narrativas globais midiáticas, se distanciam de suas raízes, fomentando futuros próximos esvaziados intelectual e emocionalmente.
Neste cenário, o papel de seus muitos artistas-pesquisadores se revela crucial. Ao se debruçarem com seriedade e respeito sobre as manifestações populares da região — como as danças de congada e jongo herdadas da África, os cantos e narrativas guaypacarés, as modas de viola e histórias dos tropeiros que cruzavam os sertões, chegando até o modo caipira de ser e viver que ainda sobrevive nos ritos diários da região — estes criadores não apenas documentam, mas reencenam, recriam e revitalizam práticas para que não corram o risco de desaparecerem ou serem invisibilizadas e homogeneizadas pelo avanço da massificação aculturante.
O trabalho coletivo de tais artistas, pensadores e agentes culturais, transcende o mero exercício artístico: é um ato político, uma pedagogia da memória e uma forma de resistência. Quando artistas se reúnem para mapear oralidades, registrar gestualidades, cartografar memórias corporais, recriar ritos ou reinterpretar cantigas, estão tecendo uma ponte atemporal entre os que vieram antes deles e os que ainda virão. O valor desse legado reside não apenas no que se preserva, mas sobretudo no que se transforma e se reinventa em diálogo com o presente.
E é aí que outras ações do coletivo, como por exemplo a Jornada Para Mover Espaços, a cada edição, com suas ações formativas e plurais, possibilitam o passe e repasse da cultura popular do Vale do Paraíba entre as gerações passadas e as vindouras, permitindo a celebração de suas raízes na contemporaneidade, criando espaços de conhecimento e reconhecimento da propriedade desta história rica e complexa e garantindo que, o deslizamento impessoal da cultura de massa sobre os filhos deste chão, não soterre sua identidade, memória e coletividade.
Que, ao contrário, seja energia geradora de movimento de valorização e difusão de sua cultura popular. Que leve e traga saberes de lá para cá e daqui para acolá, de forma cadenciada e constante, ritmada pelo tambor do jongo que ecoa no tempo, iluminada pelas narrativas contados sob o luar e de sol a sol, compassados pelos pés festeiros que levantam a poeira e transportados pela marcha da labuta em suas estradas sinuosas. Que seja prova de que, mover espaços essenciais, Vale estar e ser onde e quem somos.
