Compartilho aqui, neste tempo de pandemia mais um trecho do meu trabalho monográfico escrito em 2015. FaçO adaptações e novas conexões, uma escrita que se transforma. Este trecho do capitulo “Agenciando desejos. Alimentando e potencializando, no sentido de deixar vir a ser” vem como uma tentativa de dizer sobre algo que estou a fazer neste processo. Mas é certo que estar só, caminhar só, pausar e bailar, registrar e editar, refletir e deixar o pensamento fluir tem sido um movimento na busca de construir novos sentidos de ser no mundo..
É certo que me encontro atravessada pelas angústias deste tempo e neste espaço “fora” do meu ambiente intimista de dança (o Espaço Expressão, o estúdio onde realizo a maior parte das minhas práticas e improvisos na cidade de Lorena), em meio a natureza sinto-me ou me vejo algumas vezes tensa, mas no exercício da presença, da conexão, as vezes é sentido o medo no tônus, na expressão do corpo no espaço… mas dançar é isto tudo pra mim, e eu observo meu corpo no tempo enquanto reorganizo outras maneiras, outras elaborações de mim no fazer artístico.
E sinto que o bailarino modifica os espaços e por ele é modificado. Estou a labutar o movimento e ainda ariscando esta outra elaboração: o registro áudio-visual, a poesia, a edição, o uso das máquinas e compartilho.
Este processo é fruto da motivação da primeira turma da Jornada Mover Espaços, uma prática proposta por mim para um grupo de artistas, educadores, terapeutas e pessoas interessadas em dança, em expressividades e nas práticas para “encontrar pessoas”. Neste processo, eu mesma me alimentei. É a arte do encontro, o encontro para fazer arte, me mobilizo em promover o encontro e a estar nele junto com quem comigo estuda, num coletivo de honestas trocas que este fazer através da dança nos proporciona.
Dançar é uma forma de ocupar-se de si e promover políticas de cuidado de si. Sim? Isso é saudável, é possível? Sinto que sim, exercito a manutenção destes processos e compartilho com vocês alguns registros, os videos que editei. Ainda possui uma séria que com o tempo vou editando e escrevendo sobre.
Os vídeos vocês consegue ver num canal pessoal que criei para não “misturar” (apesar das práticas estarem intimamente ligadas) com o canal do Mover Espaços. O canal é Layla Mbb.
Segue o link da primeira experiência ( sinto vergonha, não sei, mas desejo me libertar também dela, rs ), no canal você consegue ver ou outros dois da série “CrepuscuLAR”.
“O corpo começa a fazer e a intuir, a intencionar e a dar vazão ao ato criativo. Na percepção das suas nuances e criações internas – estas de novas moléculas e de novas emoções – a dança é um elemento amaciador e modelador desde corpo, que é o próprio fabricador desta dança. Um ininterrupto produzir (mesmo com todas as interrupções de fluxos e instâncias que o cotidiano sopra sem anunciar a chegada), mas é fato que há aquilo que não podemos conduzir e comandar – o fluxo natural de vida que pulsa.
Em que lugares corporais (em nós, nos espaços e nas relações) me lanço para alimentar potências? Passei a acreditar neste caminho reflexivo que tem um mergulho no corpo na tentativa de entender sua totalidade para uma aproximação das sensações de desejos, de integração das percepções para emanação de movimentos imbuídos de qualidades do corpo que se move, diminuindo a possibilidade de atravessamentos e agenciamentos opressores.
A atenção gera significados. Somos seres com grande aptidão a fazermos fluir o amor e a alegria de várias formas, entre as vielas por onde lançamos a nossa atenção para dentro do corpo. Seríamos seres em constante dança e poderíamos, assim, encontrar uma possível forma de produzir alegria e amor neste fazer. Penso que aplicar e fazer brotar os sentidos é possível dentro de uma energia adotada e muitas vezes não vem como uma mágica. Muitos estudos apontam que alimentos, movimento e meditação, por exemplo, elevam o nível de serotonina no sangue, hormônio responsável pelo humor. O movimento por si só já é um trabalho pontual que revigora. O movimento gerado com atenção se aproxima de um potencial meditativo para mim, são benefícios profundos que eu acredito que geram mudanças fisiológicas no organismo. Para que tudo isto tenha um início, uma chance, é preciso se colocar a postos e lançar o corpo para a experimentação, compreender não somente os limites deste corpo, mas, principalmente, seus desejos e impulsos, alimentando a consciência de si.
A consciência de si nos leva a talvez perceber estas e outras instâncias de corpo. O corpo que, em movimento, revela inúmeras possibilidades de expressões e sensações. Mas quando geramos uma linguagem livre, sem grandes controles, nem externos ou mesmo internos, advindos de uma total consciência do fazer no corpo, quando se perdem as palavras, o entendimento, quando o corpo nos pega de surpresa e nos lança no gesto próximo sem que, de fato, tivesse passado pelo crivo de nossas críticas. Há de sentir uma inteligência natural do corpo? Uma memória, uma sabedoria que muitas vezes não conseguimos ‘tocar’ ou reconhecer através do pensamento? Por “diferentes vias a consciência e o inconsciente do corpo se manifestam. Cada mudança de consciência atua sobre o conjunto das tensões. Toda perturbação modifica não apenas o estado corporal, mas também o comportamento e o estado de consciência da pessoa” (Alexander). Atuar sobre o tónus pode gerar influências sobre todo o ser, portanto, segundo Gerda Alexander.
As informações de ordem muscular, articular, tátil e visual são parâmetros “constantemente modulados por uma motilidade menos perceptível, a do sistema neurovegetativo que regula os ritmos fisiológicos profundos: respiração, fluxo sanguíneo, etc’. É este território da mobilidade, consciente e inconsciente, do corpo humano que se abre para as explorações dos bailarinos do século XX. O sensível e o imaginário nele dialogam com infinito refinamento, suscitando interpretações, ficções perceptivas que dão origem a outros tantos corpos poéticos” (Courtine, Vigarel, 2009: 516).
Como deixar vir à tona as memórias da pele, por exemplo e poder fazer deste processo um elemento útil e transformador de vida e de trabalho?
Deixar que as percepções se atualizem através desta pele, que é considerada como o próprio sistema nervoso central exposto, ou dos órgãos dos sentidos e deixar que eles nos informem sobre nosso externo e sobre nosso sistema interno, por exemplo. E como perceber os desejos e vontades deste sistema, agenciando-os e transformando-os em conteúdo de pesquisa? Momentos de reflexão que os processos de Eutonia me lançaram a pensar.
Escritos nos revelam o quanto a pele foi negligenciada ao longo dos anos, principalmente em meio aos intelectuais: “foram escritos poemas para celebrar praticamente toda as partes do corpo, mas a pele, inexplicavelmente, parece ter sido negligenciada, como se não existisse” (Montagu, 1988: 27). Eu penso que da mesma forma, hoje, a pele, suas camadas, os órgãos dos sentidos são muito “tocados”, são alvos de uma gama de estímulos, experimentos e intencionalidades (sinto e percebo isso na dança contemporânea, nos processos de contato e improvisação ou em pesquisas coreográficas), e isso me faz pensar na importância de que este estimulo seja pensado e revisitado intelectualmente, no sentido de se ter um processo reflexivo sobre ele depois de perceptivo.
Sentido e compreendido (cada pessoa tem sua maneira de pensar para entender), de forma a integrar ao corpo, via o próprio corpo e suas intensidades. Transformações de corpo e ações são de ordem natural e orgânica dos seres vivos, mas, muitas vezes, se repetem ou não evoluem, por não serem visitadas com a seriedade (no sentido da entrega) e integradas sensorialmente como poderiam ser. O corpo atual, ‘superestimulado’ pelos inúmeros objetos e químicas, é modificado de forma tão brutal que, muitas vezes, pode se acomodar em padrões de doença, alterações de difícil reversão. Isso, nos afasta do que pode ser nosso, gerado a partir de nós mesmos e das relações que escolhemos vivenciar.
Neste sentido, o ocupar-se consigo mesmo indica uma relação “singular, transcendente, do sujeito em relação ao que o rodeia, aos objetos que dispõe, como também aos outros com os quais se relaciona, ao seu próprio corpo e, enfim, a ele mesmo” (Foucault, 2010: 50).
Dançar também é pensar e sentir ao mesmo tempo ( não que estas ações sejam separadas, vejo e sinto, ou tento perceber o corpo na sua complexidade, digo – tento, me esforço ), através de um turbilhão de informações emanadas. Dançar é também deixar de ser somente carne e transcender pela força das potências todas nos espaços de dentro em relação com o mundo.
Layla