
Foto:Thayná Castro
Movimento gera vida gera movimento. Eutonia – um caminho que amplia a experiência da percepção do movimento. Dança, ato transformador de movimento. Possibilidade de manifestação cultural intimamente ligada ao cotidiano, ao lúdico humano, ao contato com a natureza, ao trabalho, ao lazer, à saúde do próprio corpo que dança uma forma de envolver-se com a espiritualidade, com o sagrado como maneiras de dar consistência a existência. Movimento físico que gera emoções, provoca imaginações e modifica estados corporais.
Algumas técnicas utilizadas no movimento dançado podem dar sustento e amparo à criação e à percepção do objeto/sujeito – o corpo – para melhor explorá-lo, mantendo a sua integridade física e psíquica.
Favorecer que estas manifestações aconteçam no ato da experiência artística é essencial, pois sem isto, talvez haja pouco espaço para a percepção dos sentidos.
Um trabalho corporal mecânico, uma dança “bem realizada”, tecnicamente clara e bem executada, também pode ser dotada de sentidos e integrada ao corpo do bailarino, mas as sensações que emergem a partir dos movimentos podem passar despercebidos ao conjunto de órgãos sensoriais, justamente pela ausência de atenção e de aprofundamento, e qual seria a importância desta percepção?
Com atenção aos processos de descobertas que o caminho da eutonia propõe, é possível sentir os movimentos, refletir, refazer, impulsionar, dar nova forma e perceber as transformações no corpo de maneira mais integrada. É possível, então, “tatear” melhor a nossa dança? Por outro lado, podemos perceber e sentir quando o movimento vem de uma reprodução automática de gestos já assimilados e repetidos, sem ter sido espionado pela atenção e se colocado em prontidão de abertura à percepção, às sensações, às visões e às novas formas que este pode vir a propor.
Sinto nosso corpo muitas vezes mecânico, expressão talvez de uma herança escrava, anuladora da ação que evoca sentidos e percepções, uma máquina de produção de formas para merecimentos de aplausos e neste turbilhão em movimento está nosso corpo, ali, resistindo…
Um dos desejos que tive ao pensar na escrita deste trabalho foi de pausar para refletir sobre as formas como podemos atender ao corpo, principalmente ao meu corpo, seja como bailarina, como pessoa ou como terapeuta. Uma escuta via sensações, via o movimento que se dá da forma mais orgânica possível, no sentido de entrar em contato com as minhas limitações e potências, e integrá-las se for do desejo, ao meu produto artístico, não elevando este produto a um grau de importância superior ao da minha saúde física e psíquica. Manter a curiosidade, me arriscar e me envolver melhor com as quedas, ter na dança a possibilidade de ser criança, ser futuro e principalmente ser agora é um desejo a refletir.
Mantenho meu interesse em alimentar a experiência com o movimento gerado a partir da atenção dirigida ao meu corpo e suas inúmeras possibilidades de expressão – na relação com o espaço, com os objetos, com os outros. Refletir sobre minhas manifestações artísticas que puderam ser geradas a partir desta profundidade de entrega ao tempo, às descobertas, aos desapegos, às formas antigas que me colocavam em um lugar de comodidade talvez. Uma expressividade que se construiu com a prática da errância, das repetições e que, até hoje, estão em construção, em constante devir. Refletir sobre as manifestações de cura que senti em meu corpo com a entrada na Eutonia em meu cotidiano, refletir o quanto dançar me modela, me dá contorno, me esvazia, me entorpece ao mesmo tempo que me mantém presente.

Foto:Thayná Castro
Uma autopoiesis, dando consistência em meu percurso pessoal e profissional.
Penso que ao profissional, que tem como “objeto” e “sujeito”, o corpo, a experiência com os temas da eutonia cria possibilidades de ampliação da sua ação orientadora, recriando-a e aumentando a qualidade do contato com alunos.
Ao artista, o caminho pela experiência eutônica pode sugerir que o ato criativo e a própria forma de viver caminhem lado a lado com a qualidade que um exercício de empoderamento do meneio pode trazer. Um trilhar de respeito ao gesto próprio e a toda a geração de sentidos que este movimento pode emanar.
As experiências advindas dos principais temas da eutonia (pele, ossos, contato, espaço interior, circuito, transporte, repousser e movimento eutônico) podem servir como um guia prático, interferindo nos processos de dissolução das camadas de fixação de estruturas rígidas de aprendizado. Com meus alunos e em mim, sinto que seguimos pesquisando e descobrindo a multiplicidade do corpo, as micropercepções, laborando gestos próprios, acompanhando transformações e entendendo as funções, organizações e instâncias geradas a partir das danças e do movimento, dando tempo e espaço para a ampliação da consciência viva, no momento presente.
“Os cursos, aulas e workshops do Mover Espaços são antes de tudo um exercício pessoal de organização de ideias e práticas sobre o corpo e suas relações, sobre o corpo que dança ou quer dançar, sobre o corpo que deseja compartilhar deste fazer com o outro, sobre o movimento e as transformações pessoais que dele possam vir”
O exercício da escrita me parece o mais angustiante. Trazer as palavras para exprimir meus desejos através deste trabalho (este texto foi escrito em 2015, para a monografia, mas me parece cabível compartilhá-lo agora, e a escrita ainda é um exercício para mim), porque é desejo tentar elaborar esta linguagem com maior fluidez, me remete muitas vezes ao vazio da impossibilidade de tornar palavra o que vivencio no campo da sensação. Mas percebo o quão fortalecedor pode ser esta tentativa, um laboratório de pensamento e de resgate de memórias, um processo de elaboração do que foi vivido no meu processo criativo, através da incorporação dos princípios da eutonia em meus dias, nas danças e pesquisas em danças.
Assim, em cada passo de exercício de uma escrita (ensaios) vou percorrendo em mim, para dentro e fora de meus contornos minhas memórias de movimento, minhas dúvidas e curiosidades. Há de se regular o tônus também este fazer, atualizando e restabelecendo os conteúdos que o contato com eutonia, práticas em danças e as relações com pessoas diversas, sobretudo da minha prática terapêutica ocupacional me trouxeram.
Por Layla